palavras que ficaram para sempre comigo
Eu guardo cartas que nunca enviei.
Elas moram em uma caixa, no fundo da gaveta, entre papéis antigos e memórias que ainda não tiveram coragem de ir embora. São cartas escritas em dias de amor transbordando, em noites de saudade apertando o peito, em manhãs em que a raiva falava mais alto do que eu gostaria de admitir.
Às vezes penso que essas cartas foram mais para mim do que para eles. Cada palavra rabiscada com pressa, cada linha interrompida por um soluço, cada parágrafo que terminava em reticências... tudo era um jeito de colocar pra fora o que ficava pesado demais para carregar sozinha.
Tem carta que eu escrevi para pedir desculpas, mas não mandei porque percebi que a culpa não era só minha. Tem carta para dizer "sinto sua falta", mas que ficou escondida porque o orgulho falou mais alto. Tem carta para gritar "eu te amo", mas que nunca saiu da gaveta por medo de não ser correspondida.
Guardar essas cartas é, de alguma forma, guardar versões minhas que já passaram. Menina que amava sem limites, garota que se machucava sem perceber, mulher que aprendeu a se proteger. Cada folha é um retrato de quem eu fui em momentos que ninguém além de mim mesma viu.
E é bonito também. Porque mesmo sem ter sido lidas, essas cartas cumpriram seu papel. Foram válvulas de escape. Forjaram pontes internas entre o que eu sentia e o que eu precisava entender. Algumas me fizeram chorar, outras me fizeram sorrir com vergonha do exagero, outras ainda me fizeram ter pena daquela antiga eu tão cheia de certezas frágeis.
Hoje, às vezes, pego uma dessas cartas e leio como quem lê um diário perdido. É estranho ver como algumas dores envelhecem bem e outras continuam doendo como se fossem de ontem. Mas o que mais me impressiona é perceber o quanto sobrevivi a todas elas.
Talvez eu tivesse vivido histórias que ficaram só na minha imaginação, talvez tivesse evitado algumas cicatrizes. Mas hoje entendo: algumas palavras foram feitas para morar em nós, não no outro.
Guardar cartas que nunca foram enviadas é como guardar sementes de quem eu fui — sementes que germinaram dentro de mim e me fizeram crescer, mesmo no silêncio.
E, no fundo, acho que todo mundo tem suas próprias cartas guardadas em algum lugar.